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terça-feira, 30 de outubro de 2012

'Ficar': Um Sintoma de Fragmentação do Amor



“Em última análise, precisamos amar para não adoecer”(Sigmund Freud). 

A pós-modernidade colocou valores, até então intocáveis, de ponta-cabeça. O futuro chegou, e, nessa reviravolta dos novos paradigmas estão os adolescentes, sujeitos em formação que, no seu exercício afetivo/sexual, não namoram, é coisa do passado!, “ficam”. “Ficar” termo ambíguo que é usado não no sentido de permanecer: “ficar namorando”, mas, de “estacionar”(1). Ou seja, bem a maneira superficial e breve dos jovens atuais se “relacionar”. Mal se apresentam e logo já estão se “bicando”, movidos pelo frenesi de beijarem, indiscriminadamente, o maior número de bocas possível.

Após o Renascimento, o beijo deixou de ter função oficial e sagrada. Assim, beijar na boca, devido à conotação erótica, ficou reservado aos amantes. Baiser (beijar em francês) significa ofertar os lábios para o beijo ou o próprio ato sexual. Em geral, o beijo é uma demonstração de afeto, gesto simbólico de afirmação de vínculo com o outro(2). É através do vínculo que toda personalidade se comunica, mas se a mesma está dissociada, tem duas pautas de conduta(3). Enamorar tem o potencial para o amor, enquanto que “ficar” é pura estimulação da libido que encerra no descartável. Enamorar é uma das formas de manifestar a individualidade e de realizar a subjetividade, capaz de superar barreiras de classe social e de religião(4).

A natureza erótica não ama sempre, e nem a todos, mas, na medida em que o faz integralmente, consuma o sentido da vida(5). Porém, essa “onda” do beijo oportunista desqualifica o jovem enquanto pessoa. Portanto, não se trata apenas de uma questão de mudança, mas de analisar como se forjou essa praxe que dissocia conteúdos afetivos e sexuais de personalidades em construção(6).

Paixão (passione - latim), força dentro da pessoa que a domina; (pathós - grego), experiência assustadora e misteriosa. O suposto sofrimento atribuído ao amor e a paixão, na verdade, decorre da sua falta, interdição ou unilateralidade. O amor, só tem sentido se recíproco; enquanto que a paixão rouba a vida e dá em troca um delírio(7). A deturpação cultural dos afetos faz o homem pós-moderno “borboletear” nos sentimentos. O desejo amoroso não tem nada a ver com a bestialidade ou com problema etológico(8), e o amor não se opõe à autonomia, do contrário, é preciso dispor de autonomia para amar(9). Enfim, a paixão se caracteriza pelo exagero, entusiasmo e admiração sem limites pelo outro; enquanto que no amor mantém as referências, preserva limites e medidas da realidade(10).

Na resistência para amar, faz-se o uso de mecanismos de sublimação ou manobras para combatê-lo. Amar é abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo se funde ao regozijo numa amálgama irreversível(11). Uma vida de impulsos momentâneos, de ações de curto prazo, de fato, se reduz a uma existência sem sentido(12). 
Logo, consiste num contra-senso estimular o “ficar” como algo salutar à juventude. Tal postura incrementa o homem fragmentado(13) e sem alma(14) da atual sociedade depressiva(15). Aceitar essa esquizoidia é, sem dúvida, perpetuar as formas de relacionamento íntimo, atualmente em voga, que portam máscaras de falsa felicidade, e, ao serem olhadas de perto se descobrem nervos em frangalhos, sofrimentos, medos, solidão, egoísmo e compulsão à repetição(16). 
Finalmente, a academia, ainda, estuda pouco o “fenômeno amoroso” que, devido a sua subjetividade, é visto enviesado, como uma questão menor ou sem relevância. A ideologia aversiva ao amor contempla esta era do vazio regida pelo imperativo do gozo(17) e do mínimo eu(18). 

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